quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A Cultura Slow Down


“Há 18 anos ingressei na Volvo, empresa sueca bem conhecida. Trabalhar com eles é uma convivência muito interessante. Qualquer projeto aqui demora dois anos para se concretizar, mesmo que a idéia seja brilhante e simples. É uma regra. Os processos globalizados nos causam (a nós portugueses, brasileiros, argentinos, colombianos, peruanos, venezuelanos, mexicanos, australianos, asiáticos, etc.) uma ansiedade generalizada na busca de resultados imediatos Consequentemente, o nosso sentido de urgência não surte efeito dentro dos prazos lentos dos suecos. Eles trabalham com um esquema bem mais ‘slowdown’.

O melhor é constatar que, no fim, isto acaba por dar sempre resultados no tempo deles (suecos) já que conjugando a necessidade amadurecida com a tecnologia apropriada, é muito pouco o que se perde aqui na Suécia. E a Suécia tem grandes empresas: Volvo, Skandia, Ericsson, Electrolux, ABB, Nokia, Nobel Biocare, etc. Para se ter uma ideia da sua importância basta mencionar que a Volvo fabrica os motores de propulsão para os foguetes da NASA. Os suecos podem estar enganados, mas são eles que me pagam o salário. Devo referir que não conheço nenhum outro povo com uma cultura coletiva superior à dos suecos.

Vou lhes contar uma pequena história, para terem idéia desta cultura: A primeira vez que fui para a Suécia, em 1990, um dos meus colegas suecos me apanhava no hotel todas as manhãs. Estávamos em Setembro, já com algum frio e neve. Chegávamos cedo a Volvo e ele estacionava o carro longe da porta de entrada (são 2000 empregados que vão de carro para a empresa). No primeiro dia não fiz qualquer comentário, nem tão pouco no segundo ou no terceiro. Num dos dias seguintes, já com um pouco mais de confiança, perguntei-lhe: ‘Vocês têm aqui lugar fixo para estacionar? Chegamos sempre cedo e com o parque quase vazio você e estaciona o carro no seu extremo?…’ E ele respondeu-me com simplicidade: ‘É que como chegamos cedo temos tempo para andar, e quem chega mais tarde, já vai entrar atrasado, portanto é melhor para ele encontrar um lugar mais perto da porta. Entendeu?’

Imaginem a minha cara! Esta atitude foi a bastante para que eu revisse todos os meus conceitos anteriores. Alguns países da comunidade européia já segue o chamado ‘Slow Food’. A ‘Slow Food International Association’, cujo símbolo é um caracol, tem a sua sede em Itália (o site na Internet é muito interessante:
www.slowfood.com). O movimento Slow Food preconiza que devemos comer e beber com calma, dar tempo para saborear os alimentos, desfrutar da sua preparação, em família, com amigos, sem pressa e com qualidade. A ideia é contraposição ao espírito do Fast Food e o que ele representa como estilo de vida. Verdadeiramente surpreendente, é que este movimento de Slow Food está a servir de base para um movimento mais amplo chamado ‘Slow Europe’ como salientou a revista Business Week numa das suas últimas edições européias.

Na base de tudo isto está o questionamento da ‘pressa’ e da ‘loucura’ geradas pela globalização, pelo desejo de ‘ter em quantidade’ (nível de vida) em contraponto ao ‘ter em qualidade’, ‘Qualidade de vida’ ou ‘Qualidade do ser’. Segundo a Business Week, os trabalhadores franceses, ainda que trabalhem menos horas (35 horas por semana) são mais produtivos que os seus colegas americanos e ingleses.
E os alemães, que em muitas empresas já implantaram a semana de 28,8 horas de trabalho, viram a sua produtividade aumentar uns apreciáveis 20%. A denominada ‘slow atitude’ está a chamar a atenção dos próprios americanos, escravos do ‘fast’ (rápido) e do ‘do it now!’ (faça já!).

Portanto, esta ‘atitude sem pressa’ não significa fazer menos nem ter menor produtividade. Significa sim, trabalhar e fazer as coisas com ‘mais qualidade’ e ‘mais produtividade’, com maior perfeição, com atenção aos detalhes e com menos stress. Significa retomar os valores da família, dos amigos, do tempo livre, do prazer dum belo ócio e da vida em pequenas comunidades. Do ‘aqui’ presente e concreto, em contraposição ao ‘mundial’ indefinido e anônimo. Significa retomar os valores essenciais do ser humano, dos pequenos prazeres do quotidiano, da simplicidade de viver e conviver, e até da religião e da fé.

SIGNIFICA UM AMBIENTE DE TRABALHO MENOS COERCIVO, MAIS ALEGRE, MAIS LEVE, E, PORTANTO, MAIS PRODUTIVO, ONDE OS SERES HUMANOS REALIZAM, COM PRAZER, O QUE MELHOR SABEM FAZER.


É saudável refletir sobre tudo isto. Será que os antigos provérbios: ‘Devagar se vai ao longe’ e ‘A pressa é inimiga da perfeição’ merecem novamente a nossa atenção nestes tempos de loucura desenfreada? Não seria útil e desejável que as empresas da nossa comunidade, cidade, Estado ou país, começassem já a pensar em desenvolver programas sérios de ‘qualidade sem pressa’ até para aumentarem a produtividade e a qualidade dos produtos e serviços sem necessariamente se perder “qualidade do ser"? No filme ‘Perfume de Mulher’ há uma cena inesquecível na qual o cego (interpretado por Al Pacino) convida uma jovem para dançar e ela responde: ‘Não posso, o meu noivo deve estar chegando!’. Ao que o cego responde: ‘Num momento, vive-se uma vida’, e leva a moça para dançar um tango. Esta cena, que dura apenas dois ou três minutos, é o melhor momento do filme. Muitos vivem correndo atrás do tempo, mas só o alcançam quando morrem, quer seja de enfarte ou num acidente automobilístico, 'por correrem para chegar a tempo'. Outros que, de tão ansiosos para viver o futuro, se esquecem de viver o presente, que é o único tempo que realmente existe. O tempo é o mesmo para todos, ninguém tem nem mais nem menos de 24 horas por dia. A diferença está no que cada um faz do seu tempo. Temos de saber aproveitar cada momento, porque, como disse John Lennon, ‘A vida é aquilo que acontece enquanto planejamos o futuro’."



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